Essa é minha história. Não importa para mim se irá ou não acreditar nela. Também não me importo com qualquer outra coisa. Peço-lhe, apenas leia.

Vinte e quatro.

   - Percebeu algo diferente, após nosso primeiro encontro? - perguntou Enkil.
   Estávamos novamente em sua sala, sentados frente à frente. Percebi que ele deixara a caixa com nosso athame estrategicamente sobre a mesa de centro. Fiquei pensando por um instante, antes de responder.
   - Meus sentimentos ficaram mais intensos, e meus sentidos também. Podia sentir as emoções, como o ódio, em cada célula do meu corpo, em cada parte do meu ser. E com um pouco de concentração, eu era capaz de ouvir e sentir fisicamente muitas coisas que antes se passavam indiferentes por mim.
   - Exatamente, meu rapaz. Meu sangue te aumenta a percepção. Fico feliz que tenha descoberto isso sozinho. Algum motivo especial para ter percebido isso?
   - Muitos motivos. Não acho necessário citá-los.
   - Certo, como quiser - disse-me ele, com um sorriso indecifrável. - Hoje quero te mostrar uma coisa especial. Algo me diz que irá gostar disso.
   Bebemos o sangue como da outra vez. Ele me cortou no mesmo lugar, porém no braço contrário.
   A diferença veio quando eu bebi. Primeiramente, me sentia mais seguro, e não tinha medo, nenhum medo. Cortei-lhe ansioso pelo que estava por vir - queria ver mais cenas de como fora sua vida; porém isso não aconteceu. Dessa vez apenas senti algo quente e viscoso descer pela minha garganta, e algo quente, muito quente, tomar conta de mim.
   - Agora chega, chega - disse ele, me empurrando de seu braço. Percebi que, como da outra vez, estava inconscientemente grudado ao corte, sugando-lhe o sangue. - Venha comigo, veja isso.
   Ele me levou para o cômodo ao lado, na cozinha. Nunca havia estado lá - como a sala, era simples: paredes e piso brancos, armários de alumínio e alguns aparelhos eletrodomésticos. Me segurando pelo braço, me guiou até a porta, que levava para o quintal dos fundos. O chão era de concreto, e não havia nenhuma iluminação. Mais ao fundo, eu podia distinguir a silhueta de uma árvore, e pelo seu cheiro, percebi que se tratava de um limoeiro.
   - Quero que se deite no chão, e olhe para o céu, para as estrelas.
   Sem pestanejar, fiz o que me mandara. O chão era desconfortável, mas não me importei. Percebi que ele se deitara ao meu lado, também olhando para cima.
   - Agora, vou te ensinar a beleza, meu amigo.

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