Meu quarto, no escuro. Estava deitado na cama, olhando para o teto, pensando. As pesadas cortinas de azul marinho dançavam de um lado para outro, o relógio de pedra azul com miligramas de ouro tiquetaqueava continuamente em cima de minha cômoda, e eu gostava da sensação de minha colcha de seda sob meu tronco nu.
Tentava relembrar o mais perfeitamente possível o tal sujeito que me abordara. Devia ter cerca de quarenta e cinco anos. Alto, atlético. Não era musculoso, apesar de sua surpreendente força. Cabelos negros curtos e joviais, pele recém bronzeada (provavelmente, em meus pensamentos, estivera em uma praia), olhos azuis muito claros. Seu rosto era muito belo e masculino: quadrado, com traços fortes e lábios carnudos - a única coisa que parecia estar fora do contexto. A voz dele, como descrevi antes, era doce e rouca; ele pronunciava as palavras com um sotaque que não reconheci, porém que me lembrava o amor. Usava roupas simples - calça reta escura e camisa branca.
Quando cheguei em casa, meu tio conversava na sala com alguns colegas de serviço. Cumprimentei-os gentilmente, pedi licença, e fui ao meu quarto, respondendo qualquer bobagem para Mario quando ele apontou o fato de que eu parecia assustado.
No quarto, tirei o casaco, que estava sujo de sangue, e minha camisa, que tinha sua manga esquerda cortada no ponto onde o estranho cortara meu braço. Estava ensanguentada. Mario apenas não percebera o sangue em meu casaco por este ser preto. Chamei Aline, uma de nossas domésticas, e pedi-lhe para lavar o casaco e dar fim à camisa, sem que Mario visse; e ao pedir usei o máximo que pude de minha educação e de meu encanto. Aline tinha dezenove anos e se sentia atraída por mim. Corou ao me ver sem camisa, prometeu-me fazer o que eu lhe pedira e se retirou. Tranquei a porta, deitei na cama sem acender a luz e ali fiquei, por cerca de duas horas.
O que me impressionava não era o fato de ter sido abordado no meio de uma rua escura no subúrbio, abraçado, ter o braço cortado e o sangue sugado, ou de ter a boca beijada após isso. O que me impressionava era o que senti enquanto o sujeito estranho bebia meu sangue. "Vampiro", pensei, como qualquer outro tolo faria. Mas é óbvio que não - eu já havia lido livros suficientes para saber que não. A sensação era, talvez, muito parecida com a que tinha lido há uns dois anos em um livro qualquer. Mas não seja tolo, vampiros não existem! "Então o quê, um fã idiota?". Lógico que não. Aquele homem já era maduro demais para isso, sem contar que, se fosse esse o caso, teria sido muito mais fácil encontrar outro fã idiota. "Mas você sabe que não. O que você sentiu foi real - e você não é um fã idiota", uma vozinha irritante dizia em minha mente. Eu precisava reencontrar aquele homem; mas como?
Estava absorto, quando vi a maçaneta virar - tentavam entrar. Ignorei, deixando que pensassem que eu dormia. Então ouvi a chave sendo usada. Droga, pensei, a chave mestra da casa. Porém que vi ali não era meu tio, como achei que fosse, e sim Aline. Ela entrou e voltou-se para trancar a porta novamente. O máximo que fiz foi erguer meus olhos para ela.
- Exijo saber o que aconteceu.
Isso me assustou. Aline sempre fora calma e profissional - fazia o que pedíamos a ela, sem dar palpites - e agora isso. Mas como era engraçado observá-la! Era visível que precisou de toda sua coragem para dizer tais palavras; muito engraçado também era sua expressão, enquanto ela tentava focalizar o olhar em meu rosto ao invés de em meu peito nu.
- Por que eu deveria lhe contar? - perguntei, sentando-me na cama, com um arrepio percorrendo a pele por estar sendo observado tão avidamente.
- Porque... porque... Porque caso contrário, vou contar ao Senhor Mario! - Porém seu tom de voz a denunciava; estava claro que ela não faria isso.
Levantei-me, me aproximei dela, encostei distraidamente na cômoda. Ela me olhava como se sentisse medo e excitação ao mesmo tempo. Fiquei a olhar para ela.
Aline era muito simples. Conseguira o emprego após seu pai, que vendia vegetais para meu tio,contar-lhe sobre a má situação financeira da família. Mario resolveu empregá-la, com o trato de que, com parte de seu salário, fizesse algum curso que a interessasse; sempre muito generoso. Ela era bela, porém tinha uma beleza reprimida - não se pintava ou cuidava do cabelo -, e seu corpo era magro e comum. Era do tipo de garota que passa despercebida na multidão. Vinha de família religiosa, e eu duvidava que um dia tivesse se deitado com um rapaz - na verdade, acreditava que nem ao menos soubesse a sensação de ter lábios contra os seus.
- Foi apenas um louco que me atacou e saiu correndo - disse para era. - Não é nada importante, e não quero alarmar Mario.
Ela olhou para meu braço cortado, envergonhada por fazer isso. Cheguei bem perto dela, apoiei minha mão em sua cintura e lhe beijei a face.
- Obrigado por se preocupar. - E me afastei, voltando a sentar na cama. - Agora, se não se importa, gostaria de ficar sozinho.
Ela me olhava com espanto, e assim ficou por alguns instantes. Quando me virei para o espelho e fiz menção de retirar minha calça, ela saiu apressada, murmurando um "desculpe" e trancando a porta. Ri baixinho, enquanto vestia minha roupa de dormir.
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